segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Gotículas


As manhãs são sempre frescas de memória, mas que sei eu, apenas transpiro, apenas como e ando pelas ruas, pelas ruas e elas por mim, as manhãs são frescas de esquecimento, tão bom que é esquecer, melhor ainda lembrar, mas que isso importa, lembrar esquecer, ir e voltar, dilata contrai pupila, nasce morre comigo, morre comigo mas só pelo sentir, altruísmo mata, altruísmo faz o matador, e a fantasia de um, a morte de outro, alias o dia faz retornar ao primeiro homem, á primeira mulher, ao sabor nos lábios da fome matinal, sem café sem cigarros, sem pressas, sem demoras, sem electricos desejos, farmácias recheadas de alívios, sem putas, sem maridos fracos, sem mulheres violadas, sem lágrimas secas por outras, sem ai nem uis, nem doidos e santos lúcidos, sem mártires, sem relíquias, sem corvos que ficaram, em Algarves árabes, sem algemas nos magros pulsos escravos, sem a merda crescente que os bambinos vão comer todos os dias, sem anjos, nem fadas, nem amor sabido, somos gotículas na ponta das ervas nas manhas, parece que esperamos sabiamente o fim, todas as manhãs, com o calor esquecemos, com o frio lembramos, oscilamos na temperatura, dependentes da transpiração das estações do ano, como as estações de comboios, do horário, do crescer das unhas das maquinas, das unhas dos maquinistas, das faíscas que são os olhos, as ervas lá estão com as gotículas frescas da noite, apetitosas nas manhãs, formigas bebem, pardais bebem, os cães bebem com as patas, e todos secam um dia ou outro, sem justiça ou castigo, tudo bule.

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